Realmente estas coisas acontecem quando menos se espera. Não sei porquê mas sempre fui adiando o visionamento de Donnie Darko, já o tinha visto pouco tempo depois de ter saído para o cinema, no entanto ou não liguei, ou não interpretei com critica mais intuitiva. Até que numa altura em que não tinha realmente nada para fazer, comprei o DVD e após ter colocado o DVD no leitor, ... fui completamente absorvido durante sensivelmente 1 hora e 40. Quando "as letras brancas" começaram a aparecer no ecrã, dei conta de que acabara de ver uma das obras mais surpreendentes e que curiosamente foi esquecida ou mesmo ignorada (pelo menos na altura em que saiu para cinema).Não é fácil resumir esta obra, tendo em conta toda a complexidade que a abrange. Posso ir pela via lógica e puramente superficial, mas que no meu entender jamais bastará para descrever tudo o que contem: Donnie Darko é um jovem nos finais dos anos 80, poderia ser um adolescente como outro qualquer, não fosse o facto de sofrer de uma desconhecida doença mental, que o obriga a um acompanhamento regular por parte de um psicólogo. Até aqui nada de estrondosamente "anormal", porem o que Darko não esperaria era ser regularmente visitado durante a noite por um estranho "Homem-Coelho", que lhe anuncia o fim do mundo. É aqui que a vida de Donnie começa a entrar numa frenética montanha-russa... onde talvez não exista "a ultima volta"...
Como anteriormente disse, não é muito fácil tentar descrever esta obra, e qualquer coisa que possa dizer será bastante insignificante ou subjectivo. Porem a sensação com que fiquei no final do filme, foi que tinha acabado de ver uma obra que ultrapassa a mera ficção e que nos questiona, abordando entre muitos o tão universal tema: a existência humana.
O curioso é que este filme é sobre um adolescente, e antes de o querermos elevar a um plano mais abrangente, não nos podemos esquecer que o que está aqui retratado em primeiro plano é o universo da adolescência. Sendo assim posso mesmo dizer que nunca vi tão grandioso filme dos chamados "filmes de adolescentes". Talvez porque aquela imagem estereotipada da vida de um adolescente esteja de tal maneira entranhada que não permita abordar temas e questões que realmente fazem parte do universo, não só jovem mas de todo o ser humano, e que todo o ser humano vivencia.
Outra das coisas que me surpreendeu, foi a subtileza com que os temas são expostos, a naturalidade com que as coisas acontecem, muitas das vezes "disfarçadas" e implícitas mas ao mesmo tempo tão reais e intensas. Não existe somente "preto e branco", nada é assim tão simples, tão lógico. Somos Humanos, e como consequência, tentamos descobrir, procuramos respostas, criamos questões, absorvemos o que nos rodeia e somos absorvidos pelo que nos rodeia. E Donnie Darko consegue transpor isso de uma forma magistral.
Mesmo a nível técnico Donnie Darko consegue ser formidável. Desde uma montagem poucas vezes vista, experimental mas completamente arrebatadora, a uma banda sonora tocante, tão bem escolhida, enquadrando-se com a imagem e criando uma qualquer aura transcendental. Temos ainda o elenco, formidáveis representações, mesmo vindo de actores tão jovens. Isto já para não falar na surpresa que foi ver um Jake Gyllenhaal encarnar formidavelmente um papel bastante complexo psicologicamente. A expressão facial de Jake era assustadoramente compenetrante, dando-nos um retrato de Donnie, um ser algo estranho, invulgar, mas que tal como todo o Homem não deixa de procurar o seu significado, e o significado do que o envolve. Vivencia os medos, angustias, questões... comuns a qualquer mortal. Mas realmente o que nos deixa completamente de rastos é o argumento escrito por Richard Kelly. Qual reflexão sobre a mente humana. Até mesmo a forma como a história nos é contada, em que somos completamente arrebatados nos últimos 10 minutos. Mas ao contrário de outros filmes, o final não invalida todo o filme. Fica a sensação de não ser forçado, nem de ser propositadamente para a pura e banal reviravolta narrativa. É sim o final que apesar de nos surpreender, penso que inconscientemente todos nós esperaríamos, e funciona perfeitamente, sem destoar do restante filme, dando-lhe mesmo um significado muito maior.
Parece-me a mim que é completamente impossível ficar indiferente a esta obra de arte, no sentido mais abrangente do termo. Pois é o que Donnie Darko é, e é na minha opinião o que está a faltar a muito dos produtos cinematográficos - Arte. Isto porque não sou de todo defensor de que um filme seja principalmente uma obra de entretenimento, pode ter as duas particularidades, mas não pode viver jamais sem a componente "arte", e ela é para mim a principal, pois é o que confere o estatuto de universalidade e imortalidade, fundamental ao ser humano e nos torna melhores nesse estatuto.
A parte central é confusa, mas o final é comovente, e sem querer me gabar, e já deixando claro que posso estar errado, acredito tê-lo compreendido. Quando ele vai ao local do “fim do mundo” (ou o que quer que seja aquilo), com Gretchen morta ao seu lado, ele sabe que pode salvá-la. O fim do mundo é, na verdade, um buraco no tempo, que o professor lhe tinha falado numa conversa anterior, e a nave espacial, no caso, é o avião. Sendo assim, a turbina que cai no seu quarto, no começo do filme, é do avião que a sua mãe e a sua irmã iriam apanhar dali a trinta dias. Veio do futuro. O fim do mundo, então, é o fim para ele, a morte. Donnie compreende isso, e vai até o local contemplar os acontecimentos. Aqui chegamos a uma parte nebulosa da história, já que não sei o que acontece exactamente: ele volta para o passado? O seu ser actual deixa de existir, e tudo que acontecera desde o dia do incidente com a turbina se modifica? Particularmente, acredito na primeira hipótese. Ele volta ao passado, e permanece na cama, ciente do que está por acontecer, mas encarando a morte em prol da vida de Gretchen. As risadas que ele dá na cama, e sua feição de dever cumprido, dão a entender isso. Uma verdadeira prova de amor, sem dúvida.

Donnie Darko: Donnie – “Porque usas esse estúpido fato de coelho?"
Frank – “Porque usas esse estúpido fato de homem?”
2 comentários:
Fugir da morte nem sempre é a melhor solução.
Donnie é aquele que desafia as leis, a moral e sobertudo DEUS, pode parecer louco, mas os placebos o demonstram que não o é.
A realidade quântica faz-nos pensar que as coisas até poderão ser assim, fala-se de mundos tangentes ou paralelos de destinos alternativos ( Afinal a mão de DEUS não traçou o nosso caminho )
É certo que Albert Einstein não acharia piada alguma a este filme mas Heisenberg adoraria.
A involvência é fascinante, os actores soberbos, Jake Gyllenhaal perfeito, a realização uma enorme surpresa, comprei o DVD, demorou a compreender ... mas fiquei rendido. 5 ESTRELAS
Antes de mais só te quero dar um PARABÉNS pela brilhante ideia para este Blog. Fantástico, vou te emprestar alguns dos meus filmes de eleição para os veres e comentares aqui. ;)
Bom, este «Donnie Darko» é um filme que se desenrola numa atmosfera algo opressiva tendo em conta a gravidade dos acontecimentos que nos são dados testemunhar pela narrativa. «Donnie Darko» é ainda um filme que se materializa criativamente numa espécie de fábula surrealista. Mas, e ao contrário até do que tenho lido noutros textos, é minha opinião que esta característica conceptual do filme serve precisamente para dar coerência à narrativa e não é nunca motivo para acharmos que o fio condutor da racionalidade do filme se dispersa algures por aí.
Imaginemos então que uma entidade qualquer superior a nós, divina, científica ou coisa que o valha, nos diz que o mundo vai acabar daqui por uns dias e dá-nos mesmo a data certa para a catástrofe. Reconheça-se que muitas das nossas atitudes mais calculistas do quotidiano terão tendência a alterar-se. Exemplos simples: os mais consumistas não terão mais a necessidade de contenção pela necessidade de se precaverem para o dia de amanhã simplesmente porque esse dia não virá mais, os tímidos terão agora mais estímulos para vencerem a sua timidez e declararem-se àquela miúda linda que sempre toma café na pastelaria lá do bairro e os traz enlouquecidos, outros poderão finalmente desabafar e dizer ao seu patrão como se sente explorado no seu trabalho e no recibo do salário no fim do mês porque não temerão represálias, etc., etc.
Acontece que sobre o quarto de Donnie Darko caiu um motor de avião. E Darko, infelizmente, não terá sobrevivido. E é aí que entra a faceta conceptual do filme através da fábula surrealista em que este se converte. Porque Kelly, o realizador, aproveita-se desse facto para nos provar que há coisas que gostaríamos de fazer e simplesmente não fazemos. Porquê? Entre outros factores, por simples calculismo, porque a sociedade nos impõe regras de conduta, porque aos olhos do mundo seria desadequado fazê-lo. E tudo aquilo que Donnie executa a partir do estranho acidente do motor caído no seu quarto resulta de todas as coisas com que ele convivia e que o perturbavam, na maior parte das vezes, ou coisas banais e simples que desejava fazer e não fazia pela já referida timidez, tal como falar à miúda que se sentava bem perto de si na sala de aula. Coisas também, e eventualmente, que o faziam ser um rapaz diferente devido à sua grande inteligência e imaginação. Mas, infelizmente, e em sentido inverso ao que o filme nos mostra enganosa e provocadoramente, Donnie não chegou a fazer nada do que gostaria de ter feito e tudo ficou na mesma. Aliás, na mesma não. Porque Donnie Darko morrera naquele acidente de avião.
«Donnie Darko» é pois, e na minha perspectiva, um filme sobre aquelas coisas que temos obrigação de tentar alterar e simplesmente não movemos uma palha nesse sentido. E claro que é também precisamente por aí que passa a crítica corrosiva que é feita à sociedade americana. Cívica e política.
Este é, portanto, o modo como o filme fez sentido na minha cabeça.
Abraço amigo! :)
BOM DIA PORTUGAAAAAAAAAAAAAAAAAAL!!
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